capítulo dois: sistemas e áreas de conhecimento


a separação das áreas de conhecimento
Entendendo a cultura de um povo como um código simbólico compartilhado por todos os homens, mulheres e crianças do mesmo grupo social, as sociedades indígenas não separam, dentro de sua experiência coletiva, a produção de um objeto da cultura material da produção artística, como costumamos fazer em nossa visão ocidental. Nas culturas indígenas, todo objeto, seja utilitário, ornamental ou ritual (mágico – religioso), é também um objeto de arte, pois está plenamente integrado em todos os campos da ação humana, das práticas sociais. Uma rede, uma casa, um banco, um cesto e uma panela são bons e belos se realizados dentro dos parâmetros compartilhados por todos os indivíduos daquela sociedade. Nesse contexto, também são apreciadas as novidades estéticas internas e externas, fruto das mudanças da vida cotidiana, que cada indivíduo pode acrescentar ao modo de fazer um objeto.

fonte: site do museu do índio




disciplinas: as áreas de conhecimento e os sistemas de conhecimento

a idéia de disciplina na escola indígena não é tão simples quanto possa parecer;
diversos equívocos e limites marcaram nosso debate sobre a noção de 'artes';
fomos percebendo que, aplicada às práticas culturais indígenas, ela pode gerar diversos mal entendidos;
esses mal entendidos são originados não apenas das diferenças culturais; eles também ocorrem a partir das diferenças entre sistemas de conhecimentos; isso porque o campo definido como artes no saber ocidental não encontra correspondência no saber indígena;
isso requer um cuidado do educador indígena que deve perceber diferenças entre esses sistemas de conhecimento e propor soluções para as sobreposições entre as áreas de saber e os conflitos entre as práticas de aprendizagem nessas culturas;
muitas das soluções propostas por esses educadores estão em prática em suas atividades e projetos político-pedagógicos;
segundo manoel sabóia, cada povo huni kuin trabalha da sua forma; em sua comunidade, ele trabalha seis dias por semana, sendo três dias de conhecimentos tradicionais práticos e três dias de conhecimentos teóricos, na escola, que é reservada para outros conhecimentos;
para os dias reservados para os conhecimentos tradicionais práticos foi construído um shubuã, construção tradicional sem uso de pregos, realizada por um velho txaná (cantor) de outra aldeia huni kuin;
no shubuã se reserva para os conhecimentos de cestaria, paneiro, cerâmica, escultura e outros; tem a cantoria para cada atividade, chamando os espirito do conhecimento; é como no plantio, o trabalho de semente, no dia certo; cada kenê tem um tipo de música e cada um tem sua pintura;
a aprendizagem das músicas é para as pessoas que estão se preparando, que já sabem da hora certa para se cantar cada uma e precisa da autorização dos mais velhos ou das pessoas que mais conhecem;
quanto à transmissão de conhecimentos, diz que há, antes de mais nada, o critério do interesse; o mais velho diz assim: 'se você não me pergunta, eu não vou ensinar';


levante dados e escreva um texto que relacione as práticas culturais com a educação tradicional indígena





os mitos
os mitos e as práticas culturais
entre os povos indígenas, grande parte de suas práticas culturais buscam seu sentido nas histórias contadas pelos antigos a respeito da origem dos costumes;


comente e dê exemplos de práticas culturais que têm sua origem nos mitos ou histórias dos antigos;


MITO – ORIGEM DO KENE
(Versão contada por Agostinho Muru)
Uma mulher chamada Siriane saiu para apanhar água no igarapé. Já bem distante de sua casa encontrou, atravessando o caminho, uma enorme tumuyã. Quando Sirene viu a tumuyã, ficou paralisada, admirando os desenhos do corpo da cobra. Não conseguia afastar o olho daqueles desenhos tão bonitos!
Enquanto isso, a cobra foi chegando bem devagarinho, aproximando-se cada vez mais de Siriane. Quando estava bem próximo, a cobra transformou-se em um lindo rapaz e perguntou a Siriane:
- O que você acha de mim? O que admira tanto?
Siriane respondeu que estava admirada com os kene do seu corpo, e queria ser uma mestra do kene para fazer aqueles desenhos em sua rede e nas roupas do seu marido.
O rapaz respondeu a Siriane que se ela estava interessada ele poderia ensiná-la. Mas, com uma condição: Siriane tinha que ensinar todo o aprendizado para as outras mulheres e, além disso, fazer tudo do jeito que ele lhe ensinasse.
Siriane concordou com tudo o que a cobra lhe disse. Mas o rapaz ainda lhe fez outra advertência: para aprender, Siriane não podia ter medo. O rapaz tinha que se transformar de novo em cobra.
Depois da transformação, a cobra foi se enrolando no corpo de Siriane até chegar bem pertinho da cabeça dela. A cobra falava tão baixinho, que só Siriane podia ouvir.
O primeiro desenho ensinado a Siriane foi o txere beru. Este é o primeiro desenho que se aprende para poder aprender os outros kene.
Ficaram ali juntos algum tempo. Siriane voltou para casa impressionada com o acontecido, e foi direto para seu tear estudar o txere beru. As outras mulheres ficaram muito admiradas e perguntaram onde ela tinha aprendido aquele desenho tão lindo! Siriane falou que estava tirando o desenho de sua própria da cabeça.
As mulheres também ficaram muito interessadas em aprender e Siriane começou a ensinar às outras mulheres que se interessavam. Duas vezes na semana ela ensinava para as mulheres da aldeia. Os outros dias ela ia para a mata encontrar com a cobra jibóia para aprender mais desenhos.
As pessoas começaram a ficar curiosas:
- O que será que Siriane faz tanto na mata?
Siriane não dizia nada para ninguém. O marido de Siriane também começou a ficar cismado. Ela não ligava mais para os trabalhos da casa... Só pensava em trabalhar com seu tear.
Então, cada dia, cada semana, ela foi aprendendo mais outros tipos de kene. Um dia, tumuyã revelou a Siriane que era o encantado do kene. Que seu nome era Yube. E relembrou a Siriane o dilúvio que havia acontecido há muitos anos passados, em que muitos Huni Kuin foram transformados em vários seres da floresta. Ele, Yube, quando foi tocado pelas águas do dilúvio estava em uma rede com kene de tumuyã, por isso foi transformado em cobra. E guardou toda a sabedoria do kene.
Essa notícia deixou Siriane muito feliz. Então pediu a Yube que voltasse a viver junto com seu povo. Mas Yube respondeu que não podia mais se transformar no que havia sido no passado. Por isso queria ensinar todos os kene para Siriane, para ela poder ensinar ao seu povo.
Além de ser um encantado do kene, Yube também sabia tudo o que se passava na aldeia. Em um de seus encontros, avisou a Siriane sobre a desconfiança de seu marido. Ele estava ficando muito cismado com as viagens de Siriane para mata. Avisou que os dois estavam correndo perigo de vida. Se o marido os encontrasse juntos, seria capaz de matá-los.
Mas Yube não podia mais parar de ensinar. E nem Siriane podia parar de aprender. Então Yube falou que estava na hora de Siriane contar o seu segredo para os seus parentes. Pediu que ela contasse para a sua melhor amiga da aldeia. Caso acontecesse alguma coisa a eles, o povo ficaria sabendo de onde tinham vindo os kene que Siriane apresentava.
Quando Siriane voltou para casa, fez o que Yube havia lhe pedido. Em poucos dias todos ficaram sabendo do segredo de Siriane.
O marido também ouviu as conversas do segredo de sua mulher e ficou com muito ciúme. Ele olhava para Siriane e ficava pensando:
- Será possível que a minha mulher está me traindo com uma cobra?
Aquele pensamento era uma coisa horrível na cabeça do marido de Siriane. Ele também ficou envergonhado na frente dos seus parentes, pois todos comentavam os encontros de sua mulher com a jibóia.
Um dia, quando Siriane saiu para a mata, ele saiu atrás. Escondido atrás dos troncos das árvores, chegou até onde Siriane e Yube se encontravam. Quando viu os dois abraçados, sentiu uma dor muito grande no seu coração, e com sua borduna matou Siriane e Yube.
Contaram os antigos que Yube tinha muitos outros kene para ensinar para Siriane. E eram kene do tempo anterior ao dilúvio. Nesse tempo os kene tinham um outro dono: Besã.”


Fonte: “Kene : A Arte dos Huni Kuin”, catálogo da exposição organizada por Dêde Maia, CNFCP, Rio de Janeiro, 1999


kenes
é muito rica e reconhecida a produção de grafismos, desenhos ou kenes dos povos indígenas de nossa região;
é uma expressão cultural que se utiliza de dois suportes principais: os objetos, principalmente a tecelagem, e a pele humana, o corpo ritualizado;
pesquisa
organize uma pesquisa sobre os kenes com roteiro, entrevistas histórias e desenhos;

O conceito de arte e os índios
(ISA – Instituto Socioambiental)
Arte é uma categoria criada pelo homem ocidental. E, mesmo no Ocidente, o que deve ou não deve ser considerado arte está longe de ser um consenso. O que não dizer da aplicação desse termo em manifestações plásticas de povos que nem ao menos possuem palavra correspondente em suas respectivas línguas?
O assunto é complexo e, a despeito da inadequação do termo, muitas obras indígenas têm impactado a sensibilidade e/ou a curiosidade do “homem branco” desde o século XVI, época em que os europeus aportaram nas terras habitadas pelos ameríndios. Nesse período, objetos confeccionados por esses povos eram colecionados por reis e nobres como espécimes “raros” de culturas “exóticas” e “longínquas”.
Até hoje, uma certa concepção museológica dos artefatos indígenas continua a vigorar no senso comum. Para muitos, essas obras constituem “artesanato”, considerado uma arte menor, cujo artesão apenas repete o mesmo padrão tradicional sem criar nada novo. Tal perspectiva desconsidera que a produção não paira acima do tempo e da dinâmica cultural. Ademais, a plasticidade das obras resulta da confluência de concepções e inquietações coletivas e individuais, apesar de não privilegiar este último aspecto, como ocorre na arte ocidental.
Confeccionados para uso cotidiano ou ritual, a produção de elementos decorativos não é indiscriminada, podendo haver restrições de acordo com categorias de sexo, idade e posição social. Exige ainda conhecimentos específicos acerca dos materiais empregados, das ocasiões adequadas para a produção etc.
As formas de manipular pigmentos, plumas, fibras vegetais, argila, madeira, pedra e outros materiais conferem singularidade à produção ameríndia, diferenciando-a da arte ocidental, assim como da produção africana ou asiática. Entretanto, não se trata de uma “arte indígena”, e sim de “artes indígenas”, já que cada povo possui particularidades na sua maneira de se expressar e de conferir sentido às suas produções.
Os suportes de tais expressões transcendem as peças exibidas nos museus e feiras (cuias, cestos, cabaças, redes, remos, flechas, bancos, máscaras, esculturas, mantos, cocares....), uma vez que o corpo humano é pintado, escarificado e perfurado; assim como o são construções rochosas, árvores e outras formações naturais; sem contar a presença crucial da dança e da música.
Em todos esses casos, a ordem estética está vinculada a outros domínios do pensamento, constituindo meios de comunicação – entre homens, entre povos e entre mundos – e modos de conceber, compreender e refletir a ordem social e cosmológica.
Nas relações entre os povos, os artefatos também são objeto de troca, inclusive com o “homem branco”. Ultimamente, o comércio com a sociedade envolvente têm apontado uma alternativa de geração de renda por meio da valorização e divulgação de sua produção cultural. A Arte Baniwa, marca criada por índios Baniwa do Alto rio Negro (AM), é um exemplo bem sucedido dessa empreitada.



a partir da leitura do texto:
1.comente as diversas formas como os brancos vêem as práticas e a cultura material indígena;
2.comente as restrições das práticas culturais indígenas;
3.explique como as práticas culturais indígenas podem servir de ponte para outros mundos (espiritual, natural, cultural);

o ensino de artes no brasil
arte popular e arte erudita
persiste ainda hoje nos meios acadêmicos e escolares, a velha idéia de que a 'arte' consiste no campo de estudos do gosto estético e sua educação;
no entanto, já tem quase um século desde quando se manifestou no brasil o caráter político da arte;
ao contrapor a arte erudita (de matriz européia) e a cultura popular brasileira, os pensadores modernos questionavam a imagem que os brasileiros faziam de si mesmos;
valorizando os artesões do povo e as práticas culturais regionais, os modernos revelavam os preconceitos da arte acadêmica brasileira;
ainda hoje, de acordo com nossa tradição de sociedade excludente, persiste uma formação escolar que não se reconhece na tradição popular;
e assim, as velhas categorias da arte acadêmica continuam a definir o que deve e o que não deve ser reconhecido como 'arte';
com isso, excluem-se das escolas a teoria e prática de uma imensa quantidade de manifestações populares de grande importância para a cultura brasileira;
muitos vêem nesses valores que insistem nas artes eruditas, um velho preconceito de classes que tende a inferiorizar a cultura popular, forjando o brasileiro à imagem do colonizador europeu;
dessa forma, o ensino de artes acaba sendo padronizado nas escolas não-indígenas e os alunos acabam conhecendo melhor a escultura francesa, a pintura italiana, a arquitetura alemã do que as práticas culturais de sua região tais como as crenças ou a construção de canoas dos seringueiros, ou então os padrões gráficos ou as construções indígenas;
o espaço garantido para a 'disciplina' de 'artes' acaba se tornando um espaço de determinação dos valores de uma cultura sobre a outra;
entretanto, a idéia de 'arte' não pode servir para privilegiar um segmento da cultura ou uma tradição cultural em detrimento da diversidade cultural dos povos;



atividade
comente o que você entendeu como arte popular e arte erudita;



escreva algumas linhas sobre a importância do ensino diferenciado para as aulas de 'artes'/práticas culturais;



a imagem que se faz da arte na escola ocidental está marcada pela idéia de obra de arte e pela tradição museológica dessa cultura, ou seja, à visão de que a arte é um artigo de museu, um objeto que pode ser exposto no museu;
trabalhar com a noção de práticas culturais tem como objetivo destacar o movimento da cultura e da aprendizagem nas sociedades indígenas;

escreva sobre essa questão:
antropologia simétrica: a comparação de culturas
estabelecer comparações entre as práticas culturais indígenas e as ocidentais pode proporcionar uma visão mais clara sobre o ensino dessas práticas na escola indígena;
permite ainda entender a 'arte' como uma instituição e uma prática da cultura ocidental, problematizando seu ensino na escola indígena;
entre os problemas apontados na utilização do termo 'arte' para as práticas culturais indígenas durante nossos debates, destacamos:


1- valor místico
2- valor social
3- valor econômico
4- valor conceitual
5- suportes
6- valor técnico
7- valor pedagógico

práticas culturais indígenas
1- o caráter sagrado das práticas indígenas
2- divisão dos gêneros (masculino/feminino) bem definida
3- predomínio do valor de uso
4- práticas e processos de transmissão
5- corporalidade
6- padronização
7- restrições culturais: gênero, sociais, tempo, lugar, idade;


arte ocidental
1- dessacralização ou perda da 'aura'
2- diferença entre os gêneros menos definida
3- produção para o mercado, valor de troca
4- obras e técnicas
5- outros suportes: objetos, artefatos
6- novidade e originalidade
7- predomínio de restrições econômicas




atividades de sala de aula

atividade 1
identificar as práticas culturais indígenas;
identificar ou explicar as práticas culturais e as artes ocidentais;
propor aos alunos e orientar comparações entre umas e outras, dando destaque às diferenças;

atividade 2
realizar uma oficina de desenho na escola com os alunos a partir das práticas culturais da comunidade;

atividade 3
desenvolva uma pesquisa com os estudantes a respeito das práticas culturais dos antigos e da aprendizagem que tiveram quando eram jovens;